André Gilberto Boelter Ribeiro


Textos, Artigos Públicados, Reportagens citadas, Fotos, entre outros assuntos.

quarta-feira, 28 de março de 2012

CRÔNICA: A BRASILEIRA




A brasileira dominava bem seu trabalho até que aquela ventania adentrou sua sala e fez um esparramo não só nos papéis, mas também na sua mente. Fora educada por Waldemar Kürty, um rígido professor contratado pela família nas épocas de grandes posses para transmitir-lhe com tranquilidade aquilo que sua mãe julgava como essencial para não ser vista como uma delinquente sem causa.

Foram dias de aflição e dúvida, sempre que precisava colocar-se a frente da velha máquina de escrever para preencher os formulários de seu chefe. Sabia que poderia preenchê-los no computador, mas para que recusar a velha a boa verdinha. Se a poucos dias tinha que ter atenção, agora ainda mais, pois um movimento involuntário, poderia estragar sua página inteira.

A brasileira sempre foi vaidosa. Mas depois da ventania, ela não pode mais usar os dois brincos, pois sabia que era antiquado e fora de moda. Queria ser mais eloquente possível, até mais que o tique-taque do relógio, mesmo que frequentemente notasse alguns deslizes de sua parte. Já completava seu terceiro quinquênio naquela empresa e não largaria daquilo nem sob um sequestro. Então deveria estar cuidadosamente impecável e não esquecer que usar os brincos somente seria permitido nos encontros com estrangeiros ou então seus subordinados. E por mais que muitos ainda creem que tudo passará despercebido, as coisas precisam ir para seu devido lugar, inclusive seu linguajar do arco-da-velha.

Se pensar em papéis do passado ainda dói, não há herói que acalme esse sentimento. A brasileira é única. E ninguém apoia suas constantes ideias, nem a tramoia de pensamentos que se formam em sua mente, toda vez que se depara com seu maior anseio. Se sua vida parece uma odisseia ou uma epopeia, isso é culpa de uma estreia antecipada das coisas e da própria vida. Mas antes que isso tudo se torne uma enorme paranoia. Não há de ser fácil, e nesse leva e traz enfrentar a plateia de seus próprios instintos. Sua escrita era uma feiura encarnada e sua vida não era cor-de-rosa.

Temível ventania que chegara, e que mesmo avisando, suas reformas causam espanto e amnésia, pois para que dá um branco e nada a brasileira sabe. E quando leem o que não está escrito nas suas páginas amarelas, até estranham, alguns dizendo perdoo e outros abençoo. E por isso eles ainda mantêm a palavra e não intervêm naquilo que poderia ser mudado.

Mas para piorar a vida da brasileira, chega um João-ninguém de paraquedas afirmando que sua profissão é antepassada e que os computadores já fazem seu serviço melhor que seu melhor. E ela de boa-fé acredita nesse pão-duro, que em plena segunda-feira invade a mesa-redonda que com um pontapé promove um bate-boca entre quem nada tinha a ver. Diante de tanta confusão, blá-blá-blá, pega-pega, corre-corre e zigue-zague, chega-se num consenso entre as partes.

Esse era seu dia a dia, durante a semana tinha que aguentar esses rabugentos sem camisa de força, no fim de semana tinha que ter cara de pau para não perder a cabeça com o marido no diz que diz que. Se há um faz de conta entre ela e seus colegas, esse faz de conta é somente um faz de contas, pois segundo ela, deus me livre por a perder um contrato, e quando isso eventualmente acontecia, era um deus nos acuda e um bicho de sete cabeças. E sabia que se mais algum desconhecido chegasse trazendo-lhe problema, seria a gota-d’água.

Queria lembrar um ditado sul-africando, ou seria, porto-riquenho, que seu avô lhe ensinara para se acalmar nas horas difíceis. Pois sempre que lhe exigissem um esforço sobre-humano, saía no corre corre. Talvez fosse por isso que evitava reescrever o que tinha certeza e principalmente, para não haver mal-entendido e mal-estar.

A brasileira era dissimulada e sempre que cruzava a ponte Maruá-Maruê se fazia de rogada para que todos que a vissem pensassem que ela estaria preocupada com o próximo. E não lhe julgassem mal.



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